Vale do São Francisco: o mais novo e exótico terroir do mundo

O artigo abaixo compôs o projeto de conclusão de curso em jornalismo da estudante Kátia Carvalho, da Faculdade Maurício de Nassau, no Recife, que fez um estudo sobre o cenário vitivinícola do Vale do Rio São Francisco.

Por: Fabiana Gonçalves

Sol e calor durante 300 dias do ano e localização entre os paralelos 8° e 9°. À primeira vista, as condições do Vale São Francisco parecem quase impossíveis para o cultivo de uvas viníferas, já que as faixas aceitas como ideais para o plantio dessas variedades estão compreendidas entre 30º e 45° de latitude nos dois hemisférios, onde o clima é mais ameno.

Porém, a região, encravada nos trópicos – mais exatamente no Sertão nordestino – vem despontando como um “terroir” exótico e em plena ascensão.

A controversa área é a única do mundo que produz duas safras, com um ciclo vegetativo contínuo. Significa que em um mesmo dia podemos encontrar videiras em fase de poda, outras em floração, algumas exibindo os primeiros frutos maduros e outras em ponto de colheita – algo inimaginável na Europa, região de maior tradição na produção de vinhos do mundo.

Numa paisagem típica de caatinga, a produção de uvas viníferas é obtida graças à irrigação das videiras com água do Rio São Francisco, já que as chuvas são escassas. Com uma viticultura de precisão, investimentos em estudos e tecnologia, o Vale vem conseguindo produzir vinhos reconhecidos internacionalmente. “Trata-se de uma região única no mundo, muito nova e que já produz vinhos de grande qualidade”, afirma o engenheiro agrônomo e doutor em enologia pela Universidade Bordeaux II, Giuliano Elias Pereira, que atua na Embrapa Semiárido.

Das sete vinícolas em atividade na região, duas são estrangeiras, com investimentos da gigante portuguesa Dão Sul, que elabora os vinhos Rio Sol em parceria com a importadora Expand (ViniBrasil), e de produtores italianos com larga experiência na região da Toscana, da Ducos Vinícola. Outros estrangeiros atuam em conjunto com empresas nacionais, como é o caso da Miolo e da espanhola Osborne, que produzem na região o brandy – bebida fortificada obtida através da destilação do vinho.

Nesse cenário, com o trabalho de mãos brasileiras e estrangeiras, o Vale do São Francisco vem despontando como um forte produtor de espumantes. Esse tipo de bebida tem alcançado ótimas características na região, como equilíbrio entre acidez e açúcar, além de um frescor característico. Os espumantes do Vale são ideais para serem bebidos gelados, em climas mais quentes, e podem acompanhar petiscos e pratos leves.

Alguns exemplos de bons espumantes produzidos na região são o Terranova Blanc de Blancs Brut (Miolo), Rio Sol Brut Rosé (ViniBrasil), Botticelli Brut (Botticelli) e Terranova Moscatel (Miolo), entre outros.

Já na categoria dos tintos, os vinhos vêm melhorando visivelmente a cada dia e conquistando espaço no Brasil e no mundo. Há pouco tempo, ainda eram vistos como vinhos rústicos e “duros”, com taninos (substância presente na casca da uva que pode conferir ao vinho sabor adstringente) em desequilíbrio. Hoje, com o estudo e os investimentos em tecnologia, essas características já estão ficando para trás.

“Antes se usava muito herbicida e pulverização. Hoje, prezamos pela qualidade da uva, pois sem ela não há um bom vinho”, revelou Michel Fabre, enólogo francês que está à frente da produção da Ducos Vinícola.

Em 2008, o vinho Rio Sol Cabernet Sauvignon/Shiraz da safra 2006 foi eleito o melhor tinto nacional da Expovinis, maior feira de vinhos da América Latina, realizada em São Paulo. Este mesmo rótulo foi escolhido pela maior rede de pubs do Reino Unido, a Wetherspoons, para representar o Brasil durante a Copa do Mundo de 2010 em suas 700 unidades.

Já os brancos, produzidos em sua maioria com as variedades Chenin Blanc, Moscato Cannelli, Sauvignon Blanc e Viognier, também já ganharam espaço nas prateleiras do Brasil e do exterior, pois apresentam características tropicais que vêm se tornando marca registrada do Vale.

“Está amplamente comprovada a capacidade da região de fabricar bons vinhos competitivos, pois a qualidade está sendo aprimorada e as vinícolas vêm trabalhando em constantes testes para melhorar cada vez mais as uvas e os vinhos”, opina o estudioso de vinhos Ivan Miranda de Araújo, autor do livro “Viagem ao Mundo do Vinho”.

Segundo ele, as variedades utilizadas atualmente na região estão plenamente adaptadas. A intenção agora é buscar outras cepas para assegurar novas opções da bebida, considerando-se qualidade, tipicidade e complexidade. E isso vem sendo feito. Portanto, não será surpresa se, dentro de poucos anos, o Vale do São Francisco se consolide como um dos grandes fornecedores de boas surpresas no mundo do vinho.

You Might Also Like

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *