Modelo no Velho Mundo, Indicações Geográficas começam a se desenhar no Brasil

Em 1756, quando o Marquês de Pombal criou a primeira região vinícola demarcada do mundo, o Douro, em Portugal, ele criou um conceito que, mais tarde, veio a ser seguido pelos principais países produtores de vinhos não só da Europa, mas de todo o globo. E com o Brasil não poderia ser diferente.

Com uma produção cada vez mais reconhecida, inclusive fora do país, os produtores nacionais resolveram, desde a década de 90, seguir o modelo de regiões demarcadas, diferenciando, assim, os mais distintos terroirs do Brasil.

O Marco Legal das Indicações Geográficas (IG’s) no Brasil é do ano de 1996, com publicação da Lei de Propriedade Industrial (LPI) Nº 9.279. De maneira resumida, essa Lei divide as IG’s em duas categorias: Indicação de Procedência (IP) e Denominação de Origem (DO). Vale lembrar que quem concede Indicações Geográficas no país é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial  (INPI).

Entenda as diferenças:

INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA (IP) 

“Considera-se indicação de procedência o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço”.

Características da IP:

-Diversidade de variedades
-Diversidade de varietais, de cortes, de tipos de produtos
-Maior flexibilidade para inovar

DENOMINAÇÃO DE ORIGEM (DO)

“Considera-se denominação de origem o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características e devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos”.

Características da DO:

-Produto cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos
-Manutenção da tipicidade ao longo do tempo
-Tradição em produzir aquele produto
-Menor flexibilidade para inovar (inovação, quando vira tradição)

De acordo com o pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Jorge Tonietto (foto), as IP’s e DO’s são equivalentes. “Não existe hierarquia. O produtor precisa ver onde seu produto se encaixa”, explica.

O pesquisador observa que existe um regulamento de uso em relação às Indicações Geográficas, o qual envolve os seguintes requisitos:

– Delimitação da área geográfica
– As cultivares de videira autorizadas (por tipo de vinho quando for o caso)
– O produto autorizado (tipos de vinhos)
– Os sistemas de produção vitícola
– A origem da uvas para vinificação (Na IP, os vinhos varietais devem ter 85% ou mais da uva indicada no rótulo. Já na DO, devem ter 100%)
– A qualidade das uvas para vinificação
– A área de elaboração dos vinhos
– Os sistemas de elaboração
– Práticas não autorizadas
– Os padrões de qualidade analítica dos vinhos (mais restritivos que a lei do vinho)
– Avaliação sensorial dos vinhos

Para assegurar que todos esses requisitos sejam cumpridos, há um sistema de controle, via conselho regulador, que faz cumprir o regulamento da IP ou DO em questão. “As nossas normas de controle são semelhantes às da União Européia”, completa Tonietto.

INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS JÁ EXISTENTES NO BRASIL


RIO GRANDE DO SUL:



IP VALE DOS VINHEDOS

Os primeiros passos das Indicações Geográficas no Brasil começaram em 1995, no Rio Grande do Sul, com a criação da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale). Em 2002, a entidade conseguiu formalizar a primeira IP do Brasil, com uma área delimitada de 81,23 km², englobando áreas dos municípios de Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul.

Algumas características:

⦁ Sete tipos de vinhos finos: Tinto Seco, Branco Seco, Rosado Seco, Vinho Leve, Espumante Fino, Moscatel Espumante, Vinho Licoroso
⦁ Variedades: 21 brancas e tintas de V. vinifera
⦁ Origem da uva: mínimo 85% da área delimitada
⦁ Sistema de produção: latada e outros
⦁ Produtividade máxima: 150 hl de vinho por ha
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados na área delimitada
⦁ Aprovação dos vinhos em análise sensorial, realizada às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle (Conselho Regulador)
⦁ Normas de rotulagem

IP PINTO BANDEIRA



Depois, em 2010, veio a IP de Pinto Bandeira, que tem como gestora a Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira (Asprovinho), com áreas na cidades de Bento Gonçalves e Farroupilha, totalizando 81,38 km².

Algumas características:

⦁ Produtos e variedades autorizadas: vinho espumante fino pelo método tradicional (Chardonnay, Pinot Noir, Riesling Itálico e Viognier), vinho fino tinto seco (Cabernet Franc, merlot, cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Tannat, Pinotage, Ancelotta e Sangiovese), vinho fino branco seco (chardonnay, Riesling Itálico, Moscato Branco, Moscato Giallo, Trebbiano, Malvasia Bianca, Malvasia de Candia, Sémillon, Peverella, Viognier, Sauvignon Blanc e Gewürztraminer) e vinho moscatel espumante (Moscato Branco, Moscato Giallo, Moscatel Nazareno, Moscato de Alexandria, Malvasia de Candia e Malvasia Bianca).
⦁ Origem da uva: mínimo 85% da área delimitada
⦁ Produtividade máxima: latada -12t/ha (14t/ha para moscatel espumante); espaldeira –9t/ha
⦁ Chaptalização (adição de açúcar) máxima de 2º GL
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados na área delimitada (exceção para tomada de espuma e engarrafamento do Moscatel espumante -Serra Gaúcha)
⦁ Aprovação dos vinhos em análise, às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle (Conselho Regulador)
⦁ Normas de rotulagem

DO VALE DOS VINHEDOS

Em 2012, a Aprovale conseguiu formalizar, além da IG já existente, a sua Denominação de Origem, sendo também pioneira neste outro tipo de indicação no país.

Algumas características:

⦁ Vinho Fino Branco Seco (Chardonnay e Riesling Itálico)
⦁ Vinho Fino Tinto Seco (Merlot, Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Tannat)
⦁ Espumante Fino Nature, Extra Brut ou Brut (Chardonnay, Pinot Noir e Riesling Itálico)
⦁ Sistemas de condução em espaldeira
⦁ Proveniência das uvas para vinificação
⦁ Madeira: uso exclusivo de barricas de carvalho
⦁ Tempo mínimo de envelhecimento
⦁ Segunda fermentação na garrafa obrigatória para os espumantes
⦁ Tempo mínimo em contato com as borras
⦁ Cortes dos vinhos

IP ALTOS MONTES

No mesmo ano, foi a vez da Associação de Produtores dos Vinhos dos Altos Montes (Apromontes) ter a sua IP. A sua área compreende 173,84 km², nos municípios de Flores da Cunha e Nova Pádua.

Algumas características:

⦁ Vinhos e variedades autorizadas: Vinho Tinto Fino Seco (Cabernet Franc, Merlot, Ancelotta, Cabernet Sauvignon, Pinot Noir, Refosco, Marselan e Tannat) | Vinho Fino Rosado Seco (Pinot Noir e Merlot) | Vinho Fino Branco Seco (Riesling Itálico, Malvasia de Candia, Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gewurztraminer e Moscato Giallo) | Vinho Espumante Fino Branco ou Rosado (Chardonnay, Riesling Itálico, Pinot Noir e Trebbiano) | Vinho Moscatelo Espumante Branco ou Rosado (Moscato Branco, Moscato Bianco R2, Moscato Giallo, Moscato de Alexandria e Malvasias.
⦁ Origem da uva: mínimo 85% da área delimitada
⦁ Vinhedos cultivados em espaldeiras
⦁ Produtividade máxima/ha e qualidade da uva
⦁ Não autorizada a chaptalização (adição de açúcar)
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados na área delimitada (exceção para tomada de espuma e engarrafamento do Espumante fino no “Charmat” e dégorgementno “método tracidional” na Serra Gaúcha)
⦁ Aprovação dos vinhos em análise, às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle (Conselho Regulador)
⦁ Normas de rotulagem

IP MONTE BELO



Logo em seguida, em 2013, a Associação de Produtores dos Vinhos de Monte Belo (Aprobelo) também formalizou a sua IP, com  56,09 km², envolvendo as cidades de Monte Belo do Sul, Bento Gonçalves e Santa Tereza.

Algumas características:

⦁ Vinho Espumante Fino Branco ou Rosado (elaborados com no mínimo 40% de Riesling Itálico e 30% de Pinot Noir, tendo no máximo 30% de Chardonnay e 10% de prosecco [Glera]. No método tradicional fica nove meses em contato com as leveduras)
⦁ Vinho Fino Branco Seco (Varietais – Riesling Itálico e Chardonnay. Elaborados com 85 a 100% da respectiva variedade | Não varietais – Elaborados com no mínimo 60% de Riesling Itálico e 20% de Chardonnay)
⦁ Vinho Moscatel Espumante Branco ou Rosado (Variedades autorizadas: Moscato Branco, Moscato Giallo, Moscato de Alexandria, Moscato de Hamburgo, Malvasia Bianca e Malvasia de Cândia – Vinhos elaborados com no mínimo 70% de uvas Moscato)
⦁ Vinho Fino Tinto Seco (Vinhos varietais: Merlot, Cabernet Sauvignon e Tannat – vinhos elaborados com 85 a 100% da respectiva variedade | Vinhos não varietais: elaborados com no mínimo 40% de Merlot, mais cortes de no máximo 40% de Cabernet Sauvignon, 30% de Cabernet Franc, 15% de Tannat/Egiodola/Alicante Bouschet)
⦁ Origem da uva: 100% da área delimitada
⦁ Sistema de produção: latada aberta ou espaldeira
⦁ Produtividade máxima e qualidade da uva
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados exclusivamente na área delimitada
⦁ Chaptalização (adição de açúcar): máxima de 2º GL (tintos)
⦁ Espumante fino no método tradicional: mínimo de 9 meses em contato com leveduras
⦁ Moscatel espumante: <= 80 g/l de açúcar resudual
⦁ Aprovação dos vinhos em análise, às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle (Conselho Regulador)
⦁ Normas de rotulagem

IP FARROUPILHA



Por fim, em 2015, a Associação Farroupilhense de Produtores de Vinhos, Espumantes, Sucos e Derivados (Afavin) conquistou sua IP, com áreas nas localidades de Farroupilha, Caxias do Sul, Pinto Bandeira e Bento Gonçalves, somando uma extensão de 379 km².

Algumas características:

⦁ Tipos de vinhos: Vinho Moscatel Espumante, Vinho Fino Branco Moscatel, Vinho Frisante Moscatel, Vinho Licoroso Moscatel, Mistela Simples Moscatel e Brandy de Vinho Moscatel)
⦁ Variedades autorizadas: Moscato Branco (tradicional), Moscato Bianco, Malvasia de Cândia (aromática), Moscato Giallo, Moscatel de Alexandria, Malvasia Bianca, Moscato Rosado e Moscato de Hamburgo.
⦁ Origem da uva: 100% da área delimitada, sendo 85% da ADPM (128,62 km2)
⦁ Sistema de produção: latada aberta, Y ou espaldeira
⦁ Produtividade máxima: 25 t/ha (MoscatoBranco) 20 t/ha (demais variedades)
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados na área delimitada (exceção Moscatel espumante e Frisante moscatel –para tomada de espuma e engarrafamento na Serra Gaúcha)
⦁ Aprovação dos vinhos em análise, às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle (Conselho Regulador)
⦁ Normas de rotulagem

SANTA CATARINA:

IP VALES DA UVA GOETHE

Em 2013, a Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe (Proghoete) conseguiu o registro da IP Vales da Uva Goethe. Desenvolvida nos EUA, essa variedade é um híbrido de uvas européias (87% de Moscato de Hamburgo, Moscato de Alexandria e Schiava Grossa) e americanas (13%), que se adaptou bem à região. A IP tem 458,9 km², espalhada entre os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara.

Algumas características:

⦁ Tipos de vinhos de mesa: Branco Seco ou Suave, Vinho Leve Seco ou Suave, Espumante Brut ou Demi Sec e Vinho Licoroso
⦁ Variedade: exclusivamente Goethe
⦁ Origem da uva: 100% da área delimitada
⦁ Sistema de produção: latada e outros
⦁ Produtividade máxima/ha: 20 t
⦁ Vinhos elaborados, envelhecidos e engarrafados na área delimitada
⦁ Aprovação dos vinhos em análise, às cegas, por comissão de degustação
⦁ Sistema de controle
⦁ Normas de rotulagem

PRÓXIMAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

Outras regiões brasileiras estão se estruturando para ter as suas Indicações Geográficas registradas. A boa notícia é que uma delas está fora do tradicional eixo da produção de vinhos no Brasil. É o Vale do São Francisco, entre os Estados de Pernambuco e Bahia, em pleno semi-árido brasileiro. Outra Indicação de Procedência em estruturação está numa região de altitudes elevadas, em Santa Catarina, e mais uma no Rio Grande do Sul, na região da Campanha Gaúcha, extremo sul do país. Nos próximos anos também deve sair mais uma DO, só essa será que específica para espumantes, na região de Pinto Bandeira.

Confira os nomes das futuras IG’s e os seus respectivos gestores:

VALE DO SÃO FRANCISCO (IP) 
Instituto do Vinho do Vale do São Francisco (Vinhovasf)
Estados: Pernambuco e Bahia

SERRA CATARINENSE (IP)
Vinho de Altitude Produtores & Associados
Estado: Santa Catarina

CAMPANHA GAÚCHA (IP)
Vinhos da Campanha
Estado: Rio Grande do Sul

ALTOS DE PINTO BANDEIRA (DO)
Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira (Asprovinho)
Estado: Rio Grande do Sul

Nesse processo, várias instituições estão envolvidas, com destaque para o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), que criou um comitê especial para dar suporte às questões relacionadas às Indicações Geográficas, Embrapa (Uva e Vinho | Clima Temperado | Semiárido), Ministério da Agricultura, INPI, Sebrae, Universidade de Caxias do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Epagri.

A tendência é de outras regiões seguirem o exemplo das Indicações já regulamentadas e partirem para formalizar as suas. Potencial não falta, já que o mapa vitivinícola vem se desenhando de forma intensa e cheia de surpresas, com novas produções surgindo a cada dia, como é o caso de Estados como Paraná, São Paulo e Minas Gerais, entre outros.

É só uma questão de tempo e de bastante trabalho!

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