Baco, figura muito retratada em pinturas e esculturas da antiguidade, era o Deus romano que representava o vinho e os prazeres da vida. Tanto em Roma quanto na antiga Grécia, onde era conhecido como Dionísio, esse Deus era celebrado em animadas festividades conhecidas como Bacanais.
Os bacanais foram proibidos em Roma no ano de 186 a.C. Porém, as celebrações continuaram de forma clandestina em algumas localidades. O que muita gente não sabe é que o Brasil já teve sua adoração a Baco, mais exatamente na cidade de Jaboatão Guararapes, região metropolitana da capital Recife, ainda no século XIX.
Existem alguns registros sobre esse fato, mas o mais detalhado deles está na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, de 1908, onde o historiador Pereira da Costa faz as seguintes revelações:
“Depois da festividade de Nossa Senhora dos Prazeres, celebrada na Dominga de Pascoela, na sua linda igreja dos montes Guararapes (foto abaixo), erguida em memória dos dois grandes feitos de armas ali feridos em 1648 e 1649, contra o batavo invasor, seguia-se uma série de festas até o domingo imediato e no qual tinha lugar a festa do Deus Baco.
Para o lugar denominado ‘Batalha’, onde passa o riacho Jordão, cujas águas são vermelhas, do sangue que ali correra em um combate parcial que se travou em uma das batalhas dos Guararapes, como reza a tradição popular, afluía pela manhã imensa multidão, e guardadas as solenidades das festas pagãs, tinha lugar o batismo de Baco nas águas do Jordão.
Terminado o ato, dispunha-se tôda a gente em ordem de marcha para os Prazeres, formando pelotões, conduzindo cada indivíduo um galho de árvore, e no fim vinha Baco com uma coroa de fôlhas na cabeça, montado sobre uma pipa que, disposta em forma de charola, era conduzida aos ombros dos circunstantes, revezadamente. Baco trazia uma garrafa com vinho na mão direita e um copo na esquerda, de cujo líquido vinha fazendo libações, e a representação do seu papel, na solenidade, cabia privativamente ao juiz da festa, anualmente eleito pelos foliões.
Desfilava então o préstito, entoando um cântico tirado por uns tantos e respondido em côro por tôda a gente, cujos versos tinham por estribilho:
Bebamos, companheiros.
Bebamos, companheiros.
O suco da uva.
O vinho verdadeiro.
Em face dessa festividade, dir-se-ia que estávamos em pleno paganismo, e ao tempo do reinado de Nero, em que Roma se inebriava em suas danças báquicas, após a procissão da divindade. Entre nós, efetivamente, se guardava na sua festa a tradição mitológica, em que Baco é algumas vêzes representado sôbre um tonel, com um copo em uma das mãos e na outra um tirso, vara ornada de heras e de pâmpanos, da qual se servia para fazer brotar fontes de vinho.
Nas proximidades da igreja, ao fundo, se nota uma eminência por onde descia a procissão, e a sua passagem por aí, observada distintamente, era de um aspecto belíssimo e imponente, porquanto, em movimento o numeroso cortejo, conduzindo cada circunstante um galho de árvore, cortado na ocasião da sua organização, dir-se-ia um enorme e compacto arvoredo a descer pela colina, cuja verdura resplendia como esmeralda aos raios solares.
A procissão entrava por um dos flancos da capela, isoladamente construída no extremo do extenso pátio, dava uma volta sôbre o mesmo, envolvendo o templo, e dissolvia-se depois, cantando sempre no trajeto o seu hino báquico.
Esta usança, que vinha aliás de longínquas eras, não podia continuar a ser tolerada em um país católico; e compenetradas dos seus deveres, por fim, as autoridades eclesiásticas reclamaram dos poderes públicos a sua interferência, no intuito de obstar a continuação de semelhante prática.
Houve tentativas pacíficas, mas infrutíferas, até que em 1869 expediu o Govêrno uma numerosa fôrça de infantaria e cavalaria, que obstou a execução da tradicional festividade, e desde então nunca mais se tentou a sua celebração”.
E assim se pôs fim a celebração ao Deus Baco no Brasil.
Pesquisa: Fabiana Gonçalves (@escrivinhos)
Fotos: Reprodução da Internet.