A saga de um repórter na Avaliação Nacional de Vinhos

O ano de 2017 foi marcado, para mim, por fatos bem interessantes. Um deles, foi a participação na 25ª Avaliação Nacional de Vinhos, sobre a qual o colega de profissão, Décio Galina, fez um rico e divertido relato, especial para o blog Escrivinhos, que você não pode deixar de conferir. Acompanhe e divirta-se!

Maratona etílica: 79 vinhos em 4 dias!

Acompanhe a saga do nosso repórter na Serra Gaúcha durante a 25ª Avaliação Nacional de Vinhos, a maior degustação simultânea de uma mesma safra no mundo

Por Décio Galina 

De cara, preciso confessar: minha ignorância também é especializada no assunto “vinhos”. Provavelmente sou como você: gosto de beber, aprecio experimentar novos rótulos e estou ligado em como as vinícolas da Serra Gaúcha estão chamando a atenção de experts internacionais graças à produção moderna e cuidadosa de uvas finas na região. Por essas e outras, não contive o sorriso ao ser convidado a participar da 25ª Avaliação Nacional de Vinhos, em Bento Gonçalves (128 km de Porto Alegre), no sábado, dia 23 de setembro. Trata-se da maior degustação simultânea de uma mesma safra no mundo (foto abaixo): 850 pessoas provando 16 vinhos selecionados por 118 enólogos que tiveram acesso a 327 amostras de 59 vinícolas de seis Estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Bahia – todos os escolhidos foram gaúchos) – o filé da produção nacional em 2017.

Melhor ainda. O convite não era “apenas” para o sábado, mas, sim para uma programação intensa que começou na quarta anterior: visitas às vinícolas, reuniões com produtores locais, degustações, restaurantes, palestra com uma grande autoridade da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e passeio de bicicleta no meio dos parreirais com o sol prestes a beijar o horizonte pintado pelas cores iniciais da primavera.

Meu amigo, foi puxado: em quatro dias provei 79 rótulos! Atesto e dou fé de que o vinho brasileiro vive um grande momento – e como essa bebida tem o poder de provocar boas risadas e elevar o ambiente a um patamar leve, onde os pés quase perdem o contato com chão. A seguir, tudo o que bebi e algumas passagens do que aconteceu com o grupo de oito jornalistas em que me meti – estes sim, experts no assunto.

Vinho 1: Campos de Cima Espumante Extra Brut 2013

Opa, começamos bem o almoço o restaurante Vineria 1976, em Porto Alegre. Esse espumante, com 70% de uvas Chardonnay e 30% de Pinot Noir, foi medalha de ouro no Concurso Mundial de Bruxelas em 2013. Ele funciona como brinde de boas-vindas aos jornalistas e aos produtores da Campanha Gaúcha ali reunidos. A Campanha fica no pé do Estado, entre os mesmos paralelos (29º e 31º Sul) que cortam Argentina, África do Sul e Austrália. É uma região de tradição pecuária, mas que há cerca de 40 anos atraiu a produção de uvas. Hoje já é a segunda maior produtora de uvas e vinhos do Brasil. Em tempo: o 1976 do nome restaurante nada tem a ver com a numeração da rua ou a data de nascimento do dono. Ele remete ao ano em que ocorreu uma degustação às cegas histórica em Paris: pela primeira vez, os vinhos locais foram desbancados por um californiano (como mostra o filme O Julgamento de Paris, 2008).

Vinho 2: Red Marie Gabi Rosé 2016

100% Cabernet Sauvignon. Delícia para o calor, para ser servido no verão, em balde gelo. Me animei com ele. Tomo como se fôssemos velhos amigos. Acabo queimando a mão no bolinho de arroz que chegou e pondero se não era o caso de tomar o primeiro Engov da viagem. Afinal, só no almoço seriam oito vinhos.

Vinho 3: Bodega Sossego Campaña Chardonnay 2016

Dá gosto provar um vinho de um rótulo de 1.500 garrafas. Acho uma afronta não tomar a taça toda. De Uruguaiana, no extremo sudoeste do Estado, a Bodega Sossego não tem vinícola – só os vinhedos. São cinco hectares de uva em uma fazenda de gado de corte: três de Cabernet Sauvignon; e dois de Chardonnay. As plantações têm pouco mais de 15 anos – praticamente bebês no secular universo do vinho. Produzem apenas três rótulos.

Vinho 4: Peruzzo Cabernet Franc 2013

O primeiro da série de tintos. Junto, estaciona um saboroso arroz carreteiro. A Peruzzo tenta recuperar a casta Cabernet Franc, introduzida no Brasil nos anos 1970 e depois abandonada. Para colaborar com o novo momento dessa uva no país, decido matar essa taça também.

Vinho 5: Don Thomaz Y Victoria Cabernet Sauvignon 2012

Originária da Ilha de São Jorge, Arquipélago dos Açores, a família Mercio (agora na oitava geração) está na Estância Paraizo, em Bagé, desde 1790. Começaram com os vinhedos nos anos 2000: Cabernet Sauvignon e Shiraz, importada da África do Sul. São só duas safras desse rótulo. Todas as 1.372 garrafas são numeradas. Como não beber tudo?

Vinho 6: Batalha Tannat 2015

Vinho 7: Dunamis Tannat 2015

Aprendo que os vinhos de uva Tannat remetem à lida do gado nas áreas de pecuária. Aroma de couro, estrebaria, gado molhado, opa, espera aí… É melhor maneirar com essa fileira de taças na frente do meu prato.

Vinho 8: Guatambu Épico II

Um vinho com esse nome, e eu já um pouco pra lá de Bagdá, foi fácil de me cativar. Impressionante o sabor desse rótulo resultante de quatro uvas (Tannat, Cabernet Sauvignon, Merlot, Tempranillo), de três safras (2013, 2014, 2015), produzido em Dom Pedrito. Adorei. Os jornalistas especializados debatem sobre as oito primeiras garrafas da viagem e percebo que não há consenso. Paulo Greca, do Portal da Band, também é piloto de planador e começa a histórias dos voos que faz com a avó Clara, de 96 de anos. Ao mostrar a foto da velhinha de cabelos de algodão, de ponta cabeça, rachando o bico na aeronave, acabo não controlando a gargalhada e, sem querer, babo na camiseta. Me refaço rapidamente do primeiro vexame e saio para dar uma rápida volta a pé no agradável bairro Moinhos de Vento. Como são bonitas as árvores e as gaúchas sentadas na calçada para almoçar na rua Dinarte Ribeiro e na praça Dr. Maurício Cardoso.

Vinho 9: Salton Classic Espumante Meio Doce

A viagem de 128 quilômetros de Porto Alegre a Bento Gonçalves, no coração da Serra Gaúcha, foi tranquila e suficiente para retomar a dignidade após babar no fim do almoço. O welcome drink do Dall´Onder Grande Hotel foi esse espumante amarelo palha de uma das marcas mais conhecidas e líder de mercado no Brasil. A vinícola da Salton é de 1910, mas as raízes da família italiana são de 1878, quando o pioneiro Antonio Domenico Salton trocou Cison di Valmarino, no Vêneto, pelas terras selvagens da colônia Vila Isabel (atual Bento Gonçalves). A nova sede da marca fica no distrito de Tuiuty e recebe centenas de turistas sedentos para conhecer as instalações da vinícola. Se há um ponto que os jornalistas especializados concordam é que o principal produto brasileiro, de respeito internacional, é o espumante. Logo, achei bom tomar toda a taça antes de pegar o elevador panorâmico.

Vinho 10: Salton Reserva Ouro

Esse espumante de aroma de pão torrado, nozes e amêndoas abriu o jantar na Casa Di Paolo, considerada a melhor galeteria da Serra Gaúcha pelo Guia Quatro Rodas. A Di Paolo tem 11 casas e, mês passado, abriu uma em São Paulo. O dono, Paolo Geremia, de 55 anos, é uma peça rara, adora sapatos, tem 17 pares e encomenda os seus feitos à mão em Novo Hamburgo. Enquanto as entradas (queijo colonial e polenta) eram servidas, tivemos uma aula da situação atual do vinho no Brasil (em uma apresentação de pdf de 43 lâminas) com Leocir Bottega, enólogo e diretor técnico do Ibravin (Instituto Brasileiro do Vinho). Entre os dados apresentados, soube que a safra de 2017 teve mais de 750 mil toneladas de uvas processadas, com metade destinada a sucos e a outra para vinhos (só cerca de 10% é para vinhos considerados finos; a maioria se destina aos vinhos de mesa). Para os vinhos finos, as três uvas mais produzidas são: Moscato Branco (18,5%), Merlot (10,6%) e Chardonnay (10,5%).

Vinho 11: Instantes Chardonnay 2014

Considerada “boutique”, a Vinícola Weber existe desde 2000, em Crissiumal, no noroeste do Estado (fronteira com a Argentina), produz pequenos lotes, apenas cinco rótulos de vinhos finos e atualmente é dirigida por Décio Weber (como existem poucos Décios é sempre bom citá-los). A conversa esquenta na mesa quando todos lembram o programa MasterChef gravado na região em março e que foi ao ar em abril, um tremendo sucesso. Três vinícolas participaram da prova coletiva gravada fora do estúdio e tiveram impacto imediato nas vendas: Valduga (espumante Brut 130), Aurora (vinho tinto Reserva Merlot) e Perini (espumante moscatel rosé Aquarela). Fiz perguntas óbvias sobre o programa – típicas de quem nunca o assistiu. Quer dizer, o cara que babou no almoço também não vê MasterChef…

Vinho 12: Fausto Pizzato Merlot 2015

A Lufthansa não ia servir qualquer coisa em sua classe executiva, então, acho tranquilo embarcar em uma segunda taça desse saboroso vinho. Caiu muito bem com o famoso galeto do Paolo. Já passa das 9h30 da noite e percebo que meu vizinho de mesa, Fernando Soares, repórter do jornal Pioneiro (Grupo RBS), de Caxias do Sul, estava um pouco inquieto na cadeira. Penso que ele também tinha se animado com o Merlot, mas, não: gremista, está, sim, tenso em ir embora logo para ver o embate decisivo das quartas-de-final da Libertadores entre Grêmio e Botafogo. Chamo o garçom, discretamente perguntamos se havia televisão (afinal, eu também queria ver o Timão contra o Racing pela Sulamericana) e ele responde que não, que o sinal não é bom, algo assim… Achamos estranho, pois havíamos acabado de ouvir que os donos das vinícolas tinham escolhido justamente esse restaurante para assistirem juntos ao MasterChef da Serra Gaúcha. Indignado, Fernando sentencia bem baixinho: “Esquece. Devem ser Colorados aqui…”.

Vinho 13: Chesini Moscato 2017

Passamos a manhã do segundo dia de viagem sob a batuta do pesquisador Jorge Tonietto, da Emprapa, que conduz como um maestro as explicações sobre as Indicações Geográficas (quando um produto é patrimônio regional e as normas que existem para preservar tal identidade) dos vinhos gaúchos e como elas sustentam a Indicação de Procedência (I.P.) que aparecem em alguns rótulos. Vimos também como são rigorosos os regulamentos de uso para uma Denominação de Origem (D.O.), que, no caso dos vinhos, existe apenas uma, para o Vale dos Vinhedos (para os tintos, 60% das uvas precisa ser Merlot; para os brancos, 60% deve ser Chardonnay, entre outras diversas exigências). Ao meio-dia, chegamos à Adega Chesini, em Farroupilha, onde há a Indicação de Procedência dominada pelas uvas moscatéis, principalmente a Moscato Branco, com foco em espumantes, plantadas em uma área de 379 km2 a uma altitude média de 648 metros. Somos recebidos pelo simpático Ricardo Chesini, que conta a história da família e o momento crucial quando o “nono” (avô) decidiu em 1950, por causa de dificuldades financeiras, processar a uva que plantavam: “Vamos tomar todo o vinho e vender o que sobrar!”. Após o tour pela vinícola, encontramos com os nove (veja bem, nove!) produtores da I.P. de Farroupilha, todos com histórias ótimas, e o saca-rolhas a postos para abrirem seus filhotes. Ao 12h45, sacudo a primeira taça do dia para sentir o aroma que o Chesini Moscato exala.

Vinho 14: San Diego Seco Moscato

A partir desse vinho a coisa fica um pouco sem controle. Rodinhas de produtores em pé (um gole), o almoço começando a ser servido (outro gole), todo mundo falando ao mesmo tempo (refrescante esse, hein?) nossa, mas essa história é ótima! (sim, aceito mais um pouco, por favor)…

Vinho 15: Casa Perini Qu4tro 2012

Hum… Adoro esse. Trata-se do vinho ícone da Casa Perini, feito somente em safras excepcionais (2005 – não existe mais nenhuma garrafa, 2008, 2009 e 2012) e elaborado com quatro uvas (Ancellotta, Cabernet Sauvignon, Merltot e Tannat), com nove meses de gestação em barricas de carvalho francesas. “A garrafa é quadrada, mas ele desce muito redondo”, resumiu com a precisão de sempre a jornalista Fabiana Gonçalves Mignot, do site escrivinhos.com.

Vinho 16: Monte Paschoal Moscatel Espumante

Rótulo da família Basso com diversas premiações nacionais e internacionais. Queijo, salame, salada, polenta, frango, o almoço segue animado, produtores e jornalistas falando com se não houvesse amanhã. “Sim, lógico que aceito! É o mesmo que perguntar para um macaco se ele quer mais uma banana!”, filosofa Paulo Greca ao servirem mais uma taça.

Vinho 17: Castellamare Brut Espumante 2016

Enquanto a garrafa da Cooperativa São João é aberta, Greca, que está sempre com o celular na mão, vendo de tudo um pouco dispara: “Essa do Simão é ótima: ‘Ninguém é hetero quando a barata voa!’”. A brincadeira do colunista da Folha de S.Paulo está relacionada a mais um desses absurdos neoconservadores que despencam noticiário nacional, catástrofes como a “cura gay” (sim, sim, aceito outra taça).

Vinho 18: Chesini Gran Vin Cabernet Sauvignon 2011

Vinho ícone da Chesini. Além da safra que experimento, a outra produção que aconteceu foi em 2005. Luiz Cola, blogueiro do “vinhosemaisvinhos” e parceiro da Gazeta Online, de Vitória (ES), e Greca voltam a discutir sobre os vinhos do almoço. Eles discordam sobre as referências de paladar de alguns rótulos. Não que a cena seja hilária, mas começo a ter ataques de riso difíceis de controlar. Procuro ao menos não babar de novo na camisa.

Vinho 19: Cave Antiga Moscatel Espumante

Outro rótulo com longo currículo de premiação internacional desde o ano 2000. Começo a entender (na boca) por que o espumante brasileiro é tão respeitado lá fora.

Vinho 20: Capeletti Moscatel

Luiz Cola e Paulo Greca agora discutem sobre preferências na gastronomia. Greca se mostra um pouco revoltado com quem se autointitula “vegano”. “Quero ver o cara vegano na hora que o avião cair no meio das montanhas e a única forma de sobreviver for comer a carne dos outros passageiros…”. Luiz deixa o papo mais leve e puxa para a origem dos alimentos – gosta de saber de onde são os produtores. Greca rebate: “Por isso que prefiro comer peixe todo dia. Sempre almoço salmão no restaurante japonês”. Luiz adverte levantando as sobrancelhas: “Mas você sabe de onde vem esse salmão, né?” Greca desvia. “Bom, melhor do que comer frango da Korin. Como é que conseguem abastecer o Pão de Açúcar?”

Vinho 21: Casa Perini Moscatel

Nem cogito entrar no papo. Minha preocupação maior é não me perder entre as taças e as borbulhas que se acumulam em frente e nas laterais do meu prato. As garrafas chegam em ritmo frenético. Experimento, faço anotações (meu apelido logo vira “canetinha”), limpo as lágrimas de tanta risada, sem querer passo a ponta da caneta no rosto. Fico em dúvida se me sirvo de mais frango, que está espetacular.

Vinho 22: Castellamare Moscatel Espumante

Quase 3h da tarde e alguém grita: “Vamos fazer um sabrage para abrir a próxima garrafa!” Oi? Sá, o quê? Sério, que vergonha. Devo ser a única pessoa em todo o país, quero dizer, no Rio Grande do Sul…, que, além de não assistir ao MasterChef, não faz a mais remota ideia do que seja um sabrage. Então, do nada, surge uma espada, e saco que vão abrir o espumante com um golpe seco e preciso – missão cumprida com louvor por Ricardo Chesini. Com o estouro do espumante, dou um berro como se estivesse no setor norte do Itaquerão, vendo o Jô subir livre na pequena área para cabecear no fundo das redes de Marcelo Grohe (estou só esperando o gremista Fernando Soares me ligar quando ler esse trecho…).

Vinho 23: Chesini Especial para Missa

Hora de (tentar) me recompor para a despedida dos noves produtores. Na saída da vinícola, uma especialidade Chesini autorizado pelo bispado: vinho especial para celebração de missas, digestivo, elaborado com uva Isabel, 16% de teor alcóolico, escuro para parecer o sangue de Cristo, mas nem tanto, para não manchar a indumentária do padre. Que almoço dos deuses. Amém.

Vinho 24: Don Giovanni Rosé Brut

Sem um pingo de dor de cabeça ou qualquer mal estar, cruzamos de microônibus mais paisagens montanhosas e verdes, em uma tarde quente e azul, até outro município da região que também tem o selo de Indicação de Procedência: Pinto Bandeira. Vamos encarar um passeio de bicicleta entre os 17 hectares plantados de vinhedos da vinícola Don Giovanni, que também tem restaurante e pousada (sete quartos e uma cabana). O tempo que gastamos para (parte do grupo) subir nas bicicletas trazidas por Ribamar (paramentado como se fosse encarar o Tour de France) é bem maior do que pedalamos efetivamente. Em um deque de frente para parreiral de Chardonnay, brindamos com esse espumante Rosé, às 5h da tarde, como se participássemos de uma publicidade impecável tamanha a perfeição do cenário. Para mim, era óbvio que ficaríamos ali até o pôr do sol. Só que não. Veio a bomba: sairíamos antes do poente para outra degustação (em uma sala fechada, sem janelas) com produtores da I.P. de Pinto Bandeira. Sugiro atrasarmos um pouco a programação para não perder o espetáculo que estava por vir, assim, de bandeja. Mas não consigo. Mau humor imediato. Pela primeira vez na viagem, sinto o amargor do mau humor descendo pela garganta, enquanto borrachudos (eu era o único de bermuda) devoram a parte mais chata para levar uma picada (imagine várias…): atrás do joelho. Para não desistir da vida e seguir firme com o grupo, decido tomar outra taça desse espumante composto por Pinot Noir (50%), Merlot (40%) e Chardonnay (10%), elaborado com um tempo de maturação de 12 meses.

Vinho 25: Don Giovanni Nature

O jovem enólogo Maciel Ampese, de 27 anos, há seis safras na Don Giovanni, conta que a marca está estudando profundamente os conceitos da biodinâmica para a produção futura de vinhos. “Com a biodinâmica, tratamos a propriedade como um ser vivo. Se ela tem uma doença, sabemos que há algum desequilíbrio na terra.” Gosto mais do espumante Don Giovanni Nature se comparado ao anterior. Ele é feito apenas com Chardonnay (75%) e Pinot Noir (25%), e a maturação é o dobro: 24 meses. Coisa fina. Tem aroma mais complexo, notas de torrefação e folhas secas (arrá! aprendi alguns termos do setor!) e é menos doce. Anote aí as nomenclaturas relacionadas à quantidade de açúcar para poder escolher melhor seu próximo espumante: Nature (até 3 g de açúcar por litro); Extrabrut (até 6g/l); Brut (de 6 a 15 g/l); Sec, ou seco (de 15 a 20g/l); Demi Sec, ou meio seco (de 20 a 60 g/l) e Doce (acima de 60g/l). Com a parte de trás do joelho sangrando de tanto coçar, resolvo pegar a bicicleta e dar uma volta rápida, sozinho no vinhedo, antes de ser enfurnado em uma sala de luz fria para mais uma degustação bem na hora que o sol estiver vermelho, se desfazendo no horizonte gaúcho.

Vinho 26: Cave Geisse Nature

É um clássico: quando você está mau humorado as coisas tendem a piorar. As apresentações de slides, que até então estavam impecáveis durante a viagem, dessa vez não funciona bem: o projetor está meio torto e mal dava para ver as lâminas preparadas pela Asprovinho (Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira). Após a charla inicial, toma a palavra o enólogo Carlos Abarzua, chileno de mais 30 anos de experiência no setor, representante da vinícola Geisse. Ainda de cara amarrada, dou a primeira bicada nesse produto de entrada da marca, com 70% de Chardonnay e 30% de Pinot Noir. Hum… Bom isso. Volto de novo para o espumante e mato a taça como se fizesse as pazes comigo mesmo. Bobeira perder tempo na vida ficando bravinho.

Vinho 27: Cave Geisse Extra Brut 2014

O astral melhora de vez quando me dou conta da relevância e da incrível história da Família Geisse. Mario Geisse é chileno, nasceu em Limari, região produtora de uva para pisco ao norte do país. Trabalhou em grandes produtoras do Chile até receber da Moët & Chandon a missão de ampliar os negócios na América Latina na década de 1970. Mario introduziu no Brasil o método espaldeira (com fileiras paralelas de vinhedos) substituindo a tradicional latada em que os ramos formam túneis de uvas. Foi ele também que sacou o forte potencial de Pinto Bandeira para o espumante. No final de 1978, compra 36 hectares, a 800 metros de altura, em uma encosta voltada para o norte, com ótima drenagem para não ser prejudicado pela chuva – nasce a Cave Geisse. Percebo como esse Extra Brut é mais doce do que o primeiro espumante e começo a achar que tenho preferência pelo Nature.

Vinho 28: Cave Geisse Terroir Rosé Brut

Chego ao terceiro produto da marca com a minha vizinha de bancada Fabiana Gonçalves Mignot, de Recife, confirmando que estamos diante de um baita espumante. 100% Pinot Noir, produzido em um pequeno lote do vinhedo e com amadurecimento de pelo menos 36 meses. Show. Mais um que faço questão de secar até a última gota como uma homenagem ao trabalho de ponta e pioneiro realizado pela família Geisse.

Vinho 29: Aurora Chardonnay 2015

Se a história da Família Geisse chama a atenção pelo ineditismo das técnicas introduzidas no Brasil, os próximos dois vinhos da noite remetem a um enorme orgulho da Serra Gaúcha: Cooperativa Vinícola Aurora, “a maior e mais premiada” do país. Em 14 de fevereiro de 1931, 16 famílias se organizaram para fundar a cooperativa e, logo no primeiro ano, produziram 317 mil quilos de uva. Hoje, são 1.100 famílias produzindo 60 milhões de quilos de uva por ano. E se a primeira impressão de algo realmente importa, posso dizer que já sou fã da Aurora graças a esse vinho 100% Chardonnay com ótima relação custo benefício no mercado. Lá vou eu para mais uma taça inteira enquanto meus colegas especializados seguem cuspindo a bebida na pia que há em cada bancada.

Vinho 30: Aurora Extra Brut 2014

Não só o sabor do vinho e o pioneirismo da marca impressionam: durante a degustação do primeiro lote desse Extra Brut com 60% Chardonnay, 30% Pinot Noir e 10% Riesling Itálico, fico sabendo que a Aurora tem um tubo subterrâneo para transporte de vinho de 4 polegadas de espessura e 4,5 quilômetros de extensão entre duas unidades da vinícola na Serra Gaúcha desde 1995. A degustação da Aurora é conduzida por Nauro Morbini, responsável técnico da marca, e eleito Enólogo Brasileiro do Ano em 2009. Nauro está há quase 40 anos na Aurora. É desses senhores que fala de forma apaixonada e dá vontade de conversar o dia inteiro (até abriria mão de outros pores-de-sol…). Sobre o espumante, mesmo gostando, decido cuspir meu segundo gole para ver se ganho uma moral com o grupo de especialistas.

Vinho 31: Valmarino Natural Brut 2014

O engenheiro agrônomo e enólogo Marcos Salton é que apresenta os rótulos da Valmarino, vinícola que celebra 20 anos esse ano. Eles têm vinhedos, produzem tintos e brancos, mas terceirizam parte da fabricação dos espumantes com a Geisse. A fome começa a dar o ar da graça e sei que existem alguns rótulos para vencer ainda essa noite. Já que cuspi o espumante anterior, decido fazer o mesmo com esse e com o próximo. Tenho que manter a qualquer custo a dignidade na hora de levantar e não tombar para nenhum lado.

Vinho 32: Valmarino Nature 2012
Vinho 33: Valmarino Ano XX Cabernet Franc 2015

Penso em não engolir esse também, mas quando os especialistas começam a sorrir entre si e deixar o nariz dentro da taça mais do que o normal, resolvo mandar bala. Putz, que vinho gostoso. Desses rótulos que só são feitos em safras excepcionais e descansam em 15 meses em barrica de carvalho nova.

Vinho 34: Cave Geisse Nature

Um pouco antes das 8h da noite, saímos do local da degustação e sentamos no restaurante para jantar. Opa! O leitor atento já sacou que o nome desse rótulo é o mesmo do vinho 26. Isso virou uma questão da mesa inteira quando nos deparamos, pela primeira vez na viagem, com um mesmo rótulo. Digo a mesa inteira pois, a essa altura, todos os jornalistas já estavam por dentro da minha pauta (de listar os vinhos) e sempre ficavam perguntando: quantos vinhos já tomamos até agora? Bom, o fato é que debatemos se eu deveria ou não colocar esse vinho no texto, uma vez que ele já foi citado, e, sim, decidimos (quase que por unanimidade) que ele entraria de novo na reportagem. O motivo? Simples: o vinho pode ser o mesmo, mas eu e a minha percepção já estamos alterados, estamos bem diferentes do que éramos há oito vinhos atrás.

Vinho 35: Don Giovanni Brut

Bom jantar iniciado com salada verde e manga, seguido por um risoto de alcachofra.

Estou feliz por não babar mais na camisa há tempos e por saber cuspir o vinho sem deixar gotas na barba quando cometo uma (pequena) gafe: agitei a taça de espumante. Confesso que nem me dei conta que era um espumante. O fato, porém, é que depois de dezenas de rótulos meu braço entrou no automático e deu aquela balançada clássica que se faz com a taça de tinto e de branco para liberar o aroma. Com aquele olhar doce de quando se adverte o filho ao fazer alguma besteira infantil, meus colegas ensinam: não se chacoalha o espumante. A aula se estende também para o recipiente. Estou diante, simplesmente, da “taça oficial do espumante brasileiro”, lançada em 2011, feita com um design que afunila bastante na base, o que favorece a permanência de uma só bolha no fundo e, assim, uma perlage mais resistente e abundante. Perlage vem do francês perle (pérola) e é um indicativo importante da qualidade do que se toma. As taças de cristal são mais adequadas do que as de vidro pois são mais porosas e contribuem para um perlage mais consistente. Atenção! Jamais lave a taça com detergente – isso cria uma película invisível no recipiente e também atrapalha as bolhas (um bom espumante tem 100 milhões de bolhas por garrafa).

Vinho 36: Aurora Pinot Noir 2016

Depois de quase 40 vinhos de discordância entre os melhores rótulos provados, os especialistas Luiz Cola e Paulo Greca chegam a um consenso em relação à qualidade desse Pinot Noir. Percebendo que o jantar estava da metade para o fim, arrisco repetir a taça. Excelente.

Vinho 37: Valmarino Moscatel 2016

O astral da mesa é contagiante quando chega a saideira do dia. Moscatel que harmoniza muito bem com o doce de figo e sorvete de leite condensado. Meu olhar se perde entre os diversos objetos antigos que enfeitam as prateleiras do restaurante. Garrafas bem velhas, rádios mudos, desenhos enigmáticos, várias histórias boas, mas prefiro não vou entrar no detalhe de nenhum pois o texto já está longo e daqui a pouco a querida Gabriela Borges, editora do site da Revista Trip, desiste de publicá-lo.

Vinho 38: Casa Venturini Chardonnay Reserva 2017

O terceiro dia de viagem começa com uma boa história sobre o desenho de galo usado por essa vinícola de Flores da Cunha. O bicho, de fato, é um símbolo da cidade e remete ao causo de um forasteiro que por lá chega se dizendo mágico. Ah, é?, perguntam os locais. Mas o que você faz? O cara explica que consegue cortar a cabeça de um galo, colocá-la de volta e o penoso cantaria normalmente. A cidade paga para ver, compram ingressos para a grande noite, teatro lotado, o desconhecido corta a cabeça do galo agarrado pelo prefeito e pelo delegado, o sangue espirra no teto, ele vai para trás da cortina “colar” a cabeça e… Desaparece! Pega o dinheiro da bilheteria e some sem deixar rastro. A história que poderia envergonhar a cidade é assumida com bom humor e o galo vira símbolo de Flores da Cunha. E lá estou eu rindo e bebendo a primeira taça do dia às 10h10 da manhã. Um Chardonnay feito com uvas da Campanha Gaúcha. Melhor cuspir e mostrar que estou amadurecendo ao longo da viagem.

Vinho 39: Casa Venturini Le Bateleur 2017

O diretor e enólogo José Virgilio Venturini explica que é uma “nova experiência” que estão fazendo com esse Rosé feito de uva Tannat. Ele diz que é perfeito para um happy hour, ou à beira da piscina. Como não são nem 11h da manhã, me encanto mais com o rótulo do que com a bebida e cuspo esse também.

Vinho 40: Casa Ventuniri Tannat Reserva 2014

Outro rótulo bem bonito, com um cavalo estilizado. Já aprendi que com Tannat não se brinca. Taninos bem presentes, aroma que traz couro e o universo pecuário da Campanha Gaúcha. Bom para harmonizar grelhados, carnes exóticas, queijos fortes e molhos condimentados – nada que se apresente agora antes do meio-dia. Melhor seguir com parcimônia, dar um pequeno gole e deixar para engolir para valer na próxima degustação.

Vinho 41: Boscato Chardonnay 2017

Um rápido traslado nos leva à conceituada Escola de Gastronomia da Universidade de Caxias do Sul, que funciona em Flores da Cunha desde 2004. A estátua de um enorme galo colorido na entrada da escola eleva o astral do grupo, que começa a dar os primeiros sinais de cansaço. Hora de conhecer os rótulos da Apromontes (Associação de Produtores dos Vinhos dos Altos Montes), que engloba Flores da Cunha e Nova Pádua. O primeiro a falar é Clovis Boscato, diretor da Boscato Vinhos Finos, que, ao lado do irmão Valmor, fundou a marca em 1983. A Boscato ganhou reconhecimento internacional em pouco mais de 10 anos de atuação com rótulos de Cabernet Sauvignon e Merlot. Clovis esmiúça com orgulho detalhes da produção de 380 mil garrafas por ano e 198 km de sistema de irrigação em um vinhedo que, segundo ele, é modelo na região. Até os pneus dos carros que entram na propriedade são esterilizados. Exportam para três países: Austrália, Alemanha e República Tcheca. Encerra o discurso falando grosso contra os impostos brasileiros cobrados sobre o produto nacional. Bom, gostei desse Chardonnay. Quase meio-dia, hora de começar a engolir.

Vinho 42: Fabian Intuição Rosé 2017

Um ponto interessante dessa viagem é a mistura de representantes mais velhos das marcas, como Clovis Boscato, com a nova geração, que traz no sotaque a ascendência italiana da família, como Giovani Fabian, de 27 anos, “estagiando há 20 em vinícolas”. Esse Rosé feito com 80% Merlot e 20% Pinot Noir tem apenas 1.300 garrafas. Tão bonito na garrafa e na taça que dá dó de não beber tudo.

Vinho 43: Viapiana Expressões Marselan 2013

Que bonito esse rótulo. Impressionante como a gente se deixa levar por uma boa aparência. Nem bem experimento e já gosto dessa uva (nova para mim) Marselan. A vinícola familiar de 1986 produz 120 mil garrafas por ano, sendo que 70% é de espumante.

Vinho 44: Luiz Argenta Corte Cave 2011

Fica claro no discurso das marcas mais badaladas de vinhos finos da Serra Gaúcha a tríade: valorização da ascendência italiana das famílias, modernização da produção e incentivo ao enoturismo (com visitação das vinícolas e agradáveis salas de degustação). A Luiz Argenta, por exemplo, está na lista das mais belas vinícolas do país. Ela é famosa também pelas garrafas de design arrojado. O vinho? Gostei desse corte de 60% Merlot, 30% Marselan e 10% Ancellotta. Não virei a taça toda, pois sabia que o almoço já estava batendo na porta. E, onde há almoço, há vinho.

Vinho 45: Boscato Cave Gewürztraminer 2017

Na expectativa da sequência de pratos preparada pelos alunos da Escola de Gastronomia, ouço a conversa da expectativa de uma boa safra de uvas para esse ano: menos horas de frio e menos chuva – a colheita que costuma acontecer nos primeiros meses do ano deve ser antecipada. A refeição começa muito bem com esse vinho de nome complicado (só mesmo a Fabiana Gonçalves Mignot para saber soletrar e escrever no meu caderno) harmonizando com a bruschetta de salame artesanal e a crostata de abobrinha com tomate e queijo.

Vinho 46: Luiz Argenta Chardonnay 2017

Esse Chardonnay parece que nasceu para encontrar o risoto de bacalhau que acaba de pousar na mesa. Aqui preciso confessar mais uma particularidade sobre a minha pessoa: não gosto de bacalhau (e olha que gosto de tudo, viu? Sem frescuras, mas bacalhau…). Tudo isso para dizer que comi esse risoto de joelhos.

Vinho 47: Viapiana Expressões Marselan 2013

Mais uma figurinha repetida do nosso álbum etílico que combina muito bem com as histórias antigas contadas pelos produtores de vinhos, como as surras que levavam dos pais quando disparavam com a slita (pequena carroça puxada por mula onde cabiam dez cestas de uva), perdiam o controle e estragavam o parreiral. Ou quando tomavam coice de mula e ficavam dias desacordados.

Vinho 48: Fabian Intuição Moscatel

A cereja do bolo do almoço foi, de fato, uma bola de sorvete em um crème brûlée que compete entre os melhores da vida (tenho uma tendência a exagerar, mas sempre sem colocar a credibilidade em risco).

Vinho 49: Pizzato Brut Rosé

Considerando que o almoço acabou antes das 2h da tarde e esse espumante foi servido em uma degustação feita na vinícola Almaúnica quase às 7h da noite, tivemos uma abstinência considerável na viagem. Não foi fácil. Talvez por isso esse Pizzato, que foi medalha de ouro no Concurso do Espumante Brasileiro em 2013, tenha descido tão bem. No caminho para chegar à Almaúnica, cruzamos um clássico roteiro da Serra Gaúcha: Caminhos de Pedra, uma estrada de 7 km que corta a área rural e passa por antigas casas de pedra e de madeira da época da imigração italiana. Preciosidades como a Casa da Erva-Mate, a Casa da Ovelha, a Casa do Tomate e a Casa da Família Strapazzon, de 1875, cenário do filme O Quatrilho.

Vinho 50: Almaúnica Chardonnay 2016

Impressiona o entusiasmo com que Márcio Brandelli fala da Almaúnica, fundada em 2008, ao lado da irmã gêmea Magda – são a 4ª geração do imigrante Marcelino Brandelli, que chegou da Itália em 1887. Ele contratou o arquiteto Celestino Rossi, de Caxias do Sul, especializado em enoarquitetura para construir a vinícola com inspiração nas do Chile. Esse (bom) Chardonnay faz parte dos rótulos Super Premium; enquanto o Syrah 8 anos safra 2013 faz parte da categoria Ultra Premium – esse não experimentamos e, olha, até agora, na hora de escrever, fico com vontade…

Vinho 51: Pizzato DNA 99 Merlot 2012

Para esse vinho é necessária uma pausa. (pausa) Veja que estou dando a primeira pausa após 50 rótulos. E se faço isso é porque, mesmo dentro da minha ignorância no assunto, digo que esse vinho é maravilhoso (não só eu, na verdade, até o crítico inglês Steven Spurrier, da bíblia Decanter, colocou o DNA 99 entre os três melhores vinhos do Brasil em 2015). Esse Merlot premiadíssimo com D.O. (Denominação de Origem) leva tal nome em referência ao ano da primeira colheita vinificada da Pizzato. Com o sucesso imediato (15.500 garrafas que esgotaram rapidamente), ele virou o ícone da marca e passou a ser elaborado apenas em safras excelentes (2005, 2008, 2011 e 2012). Hora certa de tomar uma taça inteira e mais um chorinho…

Vinho 52: Miolo Merlot Terroir 2012

O nível da noite continua altíssimo. Outro rótulo com D.O. Vale dos Vinhedos feito em safras excepcionais (apenas cinco). Muito bom. Aqui, não consigo me conter, aproveito um momento de silêncio da degustação e puxo um brinde ao vinho nacional! As taças tilintaram entre sorrisos e olhares efusivos.

Vinho 53: Reserva Almaúnica Brut Chardonnay 2017

Não sou o único empolgado no grupo. Greca também está que não se aguenta de felicidade. Ele se candidata a fazer o sabrage que vai fechar a degustação. Empunha a espada como se estivesse com ela desde a infância. Contagem regressiva e… zapt! Perfeito, de primeira. O espumante estoura e embala novo brinde. Saímos dando risada não sei bem do quê, mas tenho a lembrança que de rir ainda na escadinha do microônibus. Estávamos atrasados para o jantar harmonizado.

Vinho 54: Pizzato Brut 2015

Esse espumante 85% Chardonnay 15% Pinot Noir abre os trabalhos no restaurante Valle Rústico, do chef Rodrigo Bellora. O lugar vive lotado e precisa de reserva com antecedência. E olha que o cliente nem escolhe o que vai comer: ele toma conhecimento do cardápio ao chegar. É aquilo e pronto. A sequência de pratos é preparada de acordo com os alimentos que Bellora recebe dos produtores das redondezas e também do que planta na propriedade. Os pratos aterrissam com tal apresentação que dá pena de enfiar o garfo. A entrada é toda feita de abóbora em diferentes “estados” – e você não diz que é abóbora.

Vinho 55: Cave de Pedra Brut

Essa vinícola chama a atenção no Vale dos Vinhedos por ser um castelo construído em basalto. São especializados em espumantes e produzem 45 mil garrafas por ano. O Brut acompanha o segundo prato, um carpaccio de carne bovina defumada e beterraba com creme de manjericão e alecrim. O staff avisa que Bellora foi levar o filho de 10 meses ao posto de saúde pois estava com febre, mas vai tentar chegar a tempo de falar conosco.

Vinho 56: Almaúnica Chardonnay 2016

A figurinha repetida da catarse vespertina cai muito bem com shimeji com gengibre e polenta mole. O tempo muda, o céu limpo se entope de nuvens e começa a garoar. A previsão se confirma e, de novo, a Avaliação Nacional de Vinhos vai acontecer no dia seguinte sob chuva.

Vinho 57: Terragnolo Merlot 2013

De celular em punho como sempre, Greca de repente grita que 10 mil soldados do Exército Brasileiro estão subindo a Rocinha, no Rio de Janeiro, e quebra um pouco o impacto do matambre (uma espécie de capa da costela de gado bovino) recheado de purê de inhame. Aperta o coração ver uma das cidades mais lindas do mundo complemente jogada às traças.

Vinho 58: Larentis Merlot Santa Lúcia 2013

A trilha sonora do jantar mistura Jimi Hendrix, Beatles, Bob Marley e outras belezas. Esse vinho faz parte de uma sequência de quatro Merlot iniciada com o Terragnolo anterior, todos com D.O. Vale dos Vinhedos e muito bons. O grupo de especialistas não esconde a surpresa com o jantar mais especial da viagem.

Vinho 59: Don Laurindo Merlot Reserva 2012
Vinho 60: Dom Cândido Documento Merlot 2011

O javali servido com creme de feijão e farofa de alho indica que a noite vai se aproximando do fim em grande estilo. O chef Rodrigo Bellora aparece, tranquiliza a mesa que o filhinho está um pouco melhor e desfia um pouco de sua história de vida. No início, o que ele queria era trabalhar com turismo de aventura na região, mas percebeu que a aptidão (dele e do local) era outra ao começar a fazer pizza para os amigos. Daí a se envolver com os produtores da região e deixar a pizza de lado foi um pulo.

Vinho 61: Miolo Terranova Late Harvest

Late Harvest significa que a colheita é tardia dessas uvas moscatéis do vale do Rio São Francisco. Hora da sobremesa. A mente sintonizada totalmente nos aspectos do Rio Grande do Sul e do Vale dos Vinhedos é catapultada a pensar no calor e na cultura do Nordeste. Com o líquido doce na boca e a cabeça voando, caio em uma viagem frequente das minhas sinapses que é pirar na vastidão do Brasil e nas poucas amarras que o fazem um país. Deixo de ouvir algumas conversas e percebo que flutuo acima da mesa. Os próximos flashes de lucidez me levam ao microônibus, ao elevador panorâmico do Dall´Onder Grande Hotel e, antes de pregar os olhos, me pego emocionado com os hits do Tears for Fears no Rock in Rio pela TV. Too many people living in a secret world / While they play mothers and fathers / We play little boys and girls / When we gonna make it work?

Vinho 62 ao 77: 25ª Avaliação Nacional de Vinhos

Finalmente, o grande dia. A maior de degustação simultânea de uma mesma safra no mundo, com 850 pessoas provando 16 vinhos selecionados em 327 amostras de 59 vinícolas de seis Estados acontece na mais absoluta organização da ABE (Associação Brasileira de Enologia) a partir das 9h30 da manhã de um sábado chuvoso. As 1.440 garrafas são servidas por 95 alunos de enologia que fazem um verdadeiro balé para alcançar as mesas enfileiradas no Parque de Eventos de Bento Gonçalves. Há uma mesa no palco onde estão os 16 comentaristas convidados brasileiros e estrangeiros – cada um fala de uma amostra; entre eles, a jornalista do nosso grupo Fabiana Gonçalves Mignot (foto abaixo).

Convidados e público dão notas para as 16 amostras, mas isso não vale para ranqueá-los – todos que estão ali já são “vencedores”. Somente no final do evento é que são reveladas as vinícolas das amostras selecionadas. As três primeiras são da categoria “vinho base para espumante”; depois três da “branco fino seco não aromático”; duas da “branco fino seco aromático”; uma da “tinto fino seco jovem” e, por fim, sete da “tinto fino seco”. Antes das garrafas entrarem em ação, duas músicas italianas são executadas ao vivo por um tenor e um pianista; logo na sequência, o Hino Nacional e o Hino do Rio Grande do Sul (cantado pelo público em volume superior ao Nacional). Para cada convidado há um baldinho na mesa – é ali que todo mundo cospe as amostras. Como não dá para arriscar em um evento desse porte, sorvo poucos goles (principalmente nos sete tintos finais) e dou preferência para cuspir. Mesmo sem engolir todos, me perco nas anotações na Ficha de Degustação que tem dezenas de quadradinhos para as análises Visual, Olfativa e Gustativa. Na sexta amostra, percebo que já estou rindo sem motivo aparente (e olha que eu estava super concentrado).

Fique por dentro agora das uvas e das vinícolas (todas gaúchas) ovacionadas ao final do evento: Chardonnay/Riesling Itálico (Chandon); Chardonnay (Casa Valduga); Chardonnay (Domno do Brasil); Riesling Itálico (Cooperativa Vinícola Aurora); Chardonnay (Almadén); Chardonnay (Cave de Pedra); Sauvignon Blanc (Fazenda Santa Rita); Moscato Giallo (Cooperativa Vinícola São João); Cabernet Franc (Salton); Petit Syrah (Luiz Argenta); Merlot (Casa Perini); Merlot (Miolo); Cabernet Franc (Giacomin Hortência); Malbec (Almaúnica); Cabernet Sauvignon (Guatambu) e Tannat  (Don Guerino).

Como queria fazer outra reportagem à tarde longe de Bento Gonçalves (antes do evento derradeiro da programação do nosso grupo na Peterlongo, à noite), perdi o show da Banda Cabelo Cacheado, com Laura Dalmás, participante do The Voice Brasil 2016, e almoço rapidamente. O garçom até tenta me servir um vinho, mas recuso. Preferi ficar na água sem gás.

Vinho 78:Peterlongo Terras Merlot 2015

Lindo o desfecho noturno da viagem etílica com a exibição de O Filme da Minha Vida, de Selton Mello, na sede da Peterlongo, vinícola de tradição secular em Garibaldi. O cinema a céu aberto, em frente às parreiras e ao lado do castelo da marca, foi batizado de Wine Movie e atraiu dezenas de pessoas que deram de ombros para a garoa e o vento. Para não congelar de frio, resolvo ficar em pé sob o guarda-chuva que protege o carrinho de bebidas da Peterlongo – o que facilita encher a taça com esse bom Merlot de tempos em tempos. Rodado em Garibaldi, Bento Gonçalves e Cotiporã, o longa tem cenas que envolvem viagens de trem. Em determinado momento, porém, ouço o apito de uma maria-fumaça, mas não há nenhum trem na tela. Fico um pouco confuso. Será que exagerei no vinho bem no finalzinho da viagem? Acho melhor não comentar nada com ninguém até que, de novo, ouço o trem (sem trem na tela) e resolvo perguntar para as moças que servem o Merlot se elas também ouviram ou se havia algum defeito na exibição do filme. Rindo, elas explicam que, sim, havia acabado de passar a maria-fumaça que sai de Bento Gonçalves, passa por Garibaldi e vai até Carlos Barbosa. Ufa, melhor assim.

Vinho 79: Peterlongo Presence Brut

E já que o espumante é o carro-chefe da produção nacional (e que percebi durante esses dias que gosto de rótulos menos adocicados), nada mais justo do que fechar a conta com esse Brut da Peterlongo. Saúde!, brindo sozinho erguendo a taça na garoa.

Os 15 km de estrada de volta a Bento Gonçalves servem para repassar as melhores cenas da viagem. Chegando ao hotel, Fabiana pergunta quantos vinhos contabilizo. Respondo: 79. Ao lado de outros quatro jornalistas, ela propõe que abramos uma garrafa no lobby do hotel para alcançar um número redondo. Rouco, praticamente sem voz, gesticulo que prefiro subir e pedir o jantar no quarto – mas nem isso consigo fazer. Abro a porta do 415, tiro a roupa e desmaio na cama.

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