Uma visita surreal ao “mago” da vitivinicultura brasileira

Aproximava-se da meia-noite quando, num micro-ônibus, eu e uma meia dúzia de jornalistas seguia por escuras estradas secundárias do Vale dos Vinhedos. O objetivo era chegar até casa-vinícola de Vilmar Bettú, uma espécie de “mago dos vinhos” da Serra Gaúcha.

Impaciente, ele nos esperava desde as 23h. Quem nos guiava era a sua filha, Larissa, que ao chegar ao destino se despediu agradecendo de antemão a nossa visita.

A partir daí ficamos na companhia daquele curioso sujeito, de cabelos compridos, jeito arredio. Não durou muito para que ele abrisse um sorriso e “desfilasse” nas diversas taças dispostas em uma mesa várias de suas criações (para ser exata, dez delas).

Bettú é engenheiro mecânico de profissão e também já atuou como professor de física. Mas a raiz italiana e o amor pelo vinho fizeram com que ele partisse para a sua própria produção. Assim como os antepassados, cultiva uvas em sua propriedade. Delas nascem tintos, brancos, rosés e espumantes feitos de uma maneira artesanal (as uvas são pisadas a pé pelo próprio Bettú).

Porém, como um bom cientista, ele faz experimentos. Seus vinhos são únicos, frutos de microvinificações que rendem um número limitado de garrafas. Falando nas garrafas, os rótulos são um capítulo à parte –  todos assinados à mão pelo seu criador.

Foi difícil durante a visita controlar a euforia do grupo que, entusiasmado, queria sempre alguma informaçãozinha a mais do Bettú. Porém era preciso manter silêncio, pois o pai dele, de 98 anos, estava no cômodo bem acima do nosso local de degustação. E em um certo momento, Bettú quase ameaça nos expulsar por causa do barulho (só para dar mais emoção à visita).

Teve de tudo: desde degustação de espumante com degorgement à vista dos visitantes, recordações do passado e até confissões sobre crenças. Bettú afirmou que aos 17 anos era semi-analfabeto e que chegou a dar aulas de ensino religioso, apesar de nunca ter acreditado em Deus. Perguntado se havia participado da Avaliação de Vinhos do Brasil, ocorrido naquele mesmo dia, Bettú foi categórico em responder: “Não. Eu estava jogando cartas. E perdi. A boa notícia é que vocês vão comprar meus vinhos para que eu não saia no prejuízo”. E quem conseguiu ficar calado com uma dessas?  A risadaria foi geral, acordando o velho pai do Bettú, que batia enfurecido no chão com algo que soava como barulho de bengala.

OS VINHOS – Bettú usa de 50% a 60% das uvas que cultiva na produção de seus rótulos. A produção é de 5 a 10 mil garrafas por ano, dependendo da safra. Seus vinhos são diferentes. Os brancos bem dourados e os tintos com tonalidade levemente marrom. Os aromas exalam elementos distintos dos encontrados na maior parte dos vinhos daquela região: abacate, terra, goiaba. Frutas vermelhas muito pouco. E tem mais: brancos que lembram conhaque, cortes que não são revelados nem sob tortura, nomes esquisitos que só ele sabe o que significa (como o “Salarina” da foto ao lado).

Mas aí vão as minhas opiniões sobre os que mais gostei na degustação:

Espumante chardonnay 2009
Um extra brut de coloração amarelo palha, com boa qualidade e intensidade de bolhas. Aromas que recordam melão e notas de fermentação. No paladar, repete as sensações do nariz e mostra uma boa acidez.

Bordalês 
Rubi com traços marrons, traz notas de café e mentol tanto no nariz quanto na boca. É equilibrado e tem boa acidez. Bom potencial de guarda.

Exacorte 2007
Apenas 300 garrafas deste vinho de cor âmbar foram elaboradas. Os aromas são exóticos, mesclando notas terrosas e de goiaba. Paladar equilibrado e com as mesmas sensações do nariz, junto com um toque de café. Tem 14,7% de álcool.

ÀS CEGAS – Comprei um Nebiollo de Bettú para uma degustação às cegas de Barolos (vinhos italianos feitos com esta mesma uva), realizada uma semana depois desta aventura. Vários profissionais da área estavam à mesa e o resultado foi o seguinte: o vinho brasileiro se passou bem por um Barolo, ganhando até a nota de primeiro lugar de um dos avaliadores.

Por serem extremamente artesanais e de produção limitada, os vinhos de Bettú não são baratos. Mas garanto que vale a pena provar pelo menos um exemplar.

GRAN FINALE – E na volta para o hotel, saindo da casa-vinícola de Bettú, duas horas depois da chegada e ao som dos latidos assustadores de cães que estavam presos em algum lugar próximo, olhei para o céu estrelado e pensei: “para a noite ficar completa, agora só me faltava avistar um disco voador”.

Encomendas: vilmarbettu@gmail.com.

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