Miguel Torres e as uvas ancestrais

Participei ontem, a convite da convite da Cantu Importadora, de uma masterclass com Miguel Torres, vinicultor pertencente à 5ª geração da família espanhola Torres e um dos mais respeitados nomes da enologia mundial. A conversa girou em torno de um assunto muito interessante: a recuperação de variedades viníferas antigas da Catalunha, Espanha, envolvendo a degustação de dois grandes vinhos dessa região.

Antes de mais nada, é preciso entender um pouco da história da marca Torres, que agora em 2020 completa 150 anos de vida. Sediada na região de Penedès, atravessou a Guerra Civil espanhola, quando foi parcialmente destruída, mas conseguiu logo em seguida se reerguer. Em 1975, Marimar Torres, tia de Miguel Torres, se instala na California, Estados Unidos, começando a plantar em 1982 e inaugurando a vinícola Marimar Estate em 1993.

Em 1979, a Torres inicia atividade no Chile, sendo a primeira vinícola estrangeira a se estabelecer naquelas terras. Foi eleita em 2018 a marca de vinhos mais admirada da Europa pela Drinks Internacional. Além do Penedès, a vinícola hoje produz vinhos de diversas regiões da Espanha.

PROJETO VARIEDADES ANCESTRAIS – Há mais de 30 anos, o pai de Miguel Torres iniciou um projeto para tentar recuperar variedades de uvas desaparecidas na região da Catalunha. Havia relatos de que antes da praga da Filoxera, que dizimou s vinhedos europeus no século XIV, existiam muitas castas diferentes trazidas pelos povos antigos que passaram por aquela a região, a exemplo dos Fenícios.

O plano foi muito simples: eles publicaram anúncios em periódicos de várias localidades da Catalunha solicitando às pessoas que tivessem em suas plantações uvas desconhecidas que entrassem em contato com a família Torres. A tática deu certo. Centenas de contatos foram feitos e, através desses, 60 variedades antigas puderam ser encontradas.

A comprovação foi feita através de modernos exames de DNA, além da comparação com as mais de seis mil variedades de uvas catalogadas na Universidade de Montpellier, na França. “Entre as 60 variedades identificadas, escolhemos cinco ou seis de grande potencial”, explicou Miguel Torres. Entre elas estão: Moneu, Gonfaus, Pirine e Querol (foto abaixo) – nomes dados em homenagem a zonas geográficas locais.

O processo até registrar uma uva até então desaparecida é longo. Primeiro, as variedades passam por um processo sanificante, para erradicar doenças. Depois se leva de dois a quatro anos para análise de reprodução. Depois disso, as provas de campo para ver se comportam as uvas podem levar de 10 a 15 anos. “E tem ainda o processo para convencer o governo a reconhecer a nova variedade”, brinca Torres.

DEGUSTAÇÃO – O resultado pode ser conferido na taça. Provamos um vinho que tem em sua composição a variedade Querol, que foi uma das primeiras encontradas no projeto. É uma uva com grãos bem pequenos, de pele grossa e sem sementes. Confira a avaliação:

Torres Grans Muralles 2015

Conca de Barberà – Penedès, Espanha.

Este vinho deve seu nome às muralhas que protegiam o monastério de Poblet das guerras e dos mercenários. As vinhas estão plantadas próximas à construção, numa zona mais fria, protegida dos ventos marítimos do Mediterrâneo pela Serra de Prades.

Elaborado com a casta ancestral Querol, além de Garnacha, Cariñena, Monastrell e Garró, este tinto maturou 18 meses em barricas novas de carvalho francês. Tem 14,5% de álcool.

Na taça, cor rubi de média a profunda. Os aromas são de frutas maduras, alcaçuz e especiarias. Encorpado, fresco, longo e de taninos elegantes, o vinho precisa de aeração para dissipar a primeira impressão do álcool. Tem bom potencial de guarda.

Classificação: Excelente.

PRIORATO – Na ocasião, Miguel Torres também falou sobre o terroir do Priorato (em catalão, Priorat). Trata-se de uma pequena e singular região de colinas escuras onde há oito séculos se produz vinhos tintos profundos. Esta Denominação começou a ganhar fama depois de se começar a aplicar novas tecnologias na produção vinícola. Os terrenos mesclam vinhas velhas com outras mais recentes, com microclimas e solos únicos.

Provamos um grande vinho proveniente desse terroir:

Perpetual 2016

Priorato, Espanha

Elaborado com uvas Cariñena (95%) e Garnacha (5%) plantadas em vinhas com no mínimo 75 anos. Os solos são de pouca profundidade e alguns trechos do solo chegam a uma inclinação de 45 graus, o que torna a colheita bem difícil.

Sua maturação foi de 18 meses em barris de carvalho francês novo. Tem 14,5% de álcool (aconselha-se aeração antes de servir).

De cor rubi de média profundidade, este vinho exala aromas de frutas negras, pimenta do reino, mentol, alcaçuz e canela. Na boca, bom corpo, taninos doces e elegantes, acidez presente e boa persistência.

Classificação: Excelente.

Os vinhos Miguel Torres estão sendo importados para o Brasil pela Cantu.

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