A desafiadora Pinot Noir

Acompanhe a seguir a 4ª prova da avaliação Sabores de Baco, promovida este mês pelo jornal Folha de Pernambuco.

Mais uma vez, tive o prazer de participar da degustação e, assim como os outros participantes, me surpreendi com o resultado, que teve um vinho brasileiro como o melhor classificado.

Confira a matéria publicada pelo jornal:

“Degustação vai na contramão do estigma da casta européia”

Quem assistiu ao delicioso longa “Sideways” (EUA, 2004), estrelado pelo ator baixote Paul Giamatti, deve lembrar que a grande paixão enológica do personagem Miles Raymond eram os vinhos feitos a partir da uva pinot noir. No roteiro, o escritor decadente e depressivo defende com vigor a alma dessa casta de origem francesa. O testemunho de Raymond surge como um protesto romanceado, é verdade, contra os comentários ácidos (feitos na vida real, fora das telas), muitas vezes negativos, a respeito da performance dos vinhos feitos com ela.
Essa má fama carregada pela pinot noir é verídica por conta da dificuldade que se tem de cultivar com sucesso em outras partes do mundo fora das fronteiras da França – mais especificamente das regiões de Champanhe e Borgonha. Ela integra o corte de castas do espumante mais celebrado de todos os tempos e é a uva tinta mais típica borgonhesa. É na Borgonha de onde saem as mais emblemáticas garrafas feitas com a uva.

Há quem diga, inclusive, que, por hipótese alguma, devia-se tentar reproduzir a cultivação fora do país europeu. Que é tempo perdido. Que a pinot é tão temperamental que nunca renderá bons frutos líquidos, ainda mais em terras de clima quente. Mas o espírito desafiador do homem não cessa com as dificuldades impostas pelas características dessa cepa – que pede clima frio, fornece aromas e oferece notas gustativas completamente díspares dependendo de onde foi produzida e, por isso, a maior dificuldade de definir sua tipicidade. Enfim, um desafio e tanto para os nossos avaliadores na 4ª edição do projeto Sabores de Baco.

O encontro aconteceu no último dia 14, no Hotel Atlante Plaza, e contou com a participação de alguns dos principais nomes em enologia e enofilia na Capital pernambucana. O grupo, coordenado por Murilo Guimarães (colunista deste caderno), degustou às cegas oito rótulos elaborados com a fruta originários de vários países. O resultado do encontro foi surpreendente.

Nosso agradecimento, sempre, ao grupo de avaliadores que coloca seus conhecimentos a favor dos leitores da Folha de Pernambuco. São eles: Amanda Loyo – sommelière pela Court of Master Sommeliers na Califórnia; Fabiana Gonçalves – sommelière pela Associação Brasileira de Sommeliers e proprietária do blog Escrivinhos (www.escrivi­nhos.com); José Roberto Dantas – sommelier pela Associação Brasileira de Sommelier de São Paulo e professor de enologia no curso de Gastronomia da Faculdade Maurício de Nassau; Jorge Pinho – fundador da Sociedade dos Amigos do Vinho em Pernambuco (Sbav-PE), Fred Guimarães – palestrante de enologia e ex-presidente da Sbav-PE; Hermilo Borba Neto – fundador da Sbav-PE e atual diretor de degustação da entidade e Murilo Guimarães – colunista de vinho do caderno Sabores e coordenador das degustações de Sabores de Baco. Com eles, a palavra.

Sabores de Baco 4ª prova: vinhos TINTOS da Pinot Noir

Por: Murilo Guimarães

Os leitores assíduos desta coluna e deste caderno já conhecem a nossa confraria SABORES DE BACO. Que se reúne regularmente – tá bem, nem tão regularmente, mas se reúne – para degustar vinhos de regiões ou temas pré-selecionados pelo já apresentado grupo de degustadores. Desta feita a seleção recaiu sobre vinhos tintos da casta de uva Pinot Noir (PN). Você está me achando redundante ao falar de tintos desta uva? Pois saiba que não só deles vive a PN, presente em muitos espumantes, sobretudo no rei deles, o Champanhe. Nunca sendo demais lembrar que qualquer uva de casca tinta pode ser usada para fazer vinhos brancos ou espumantes. Para tanto, bastando retirar rapidamente as cascas do mosto gerado pela leve prensagem das uvas.
Mas vamos à nossa degustação. Você deve se perguntar o que nos levou a escolher este tema. A Pinot Noir, presente em várias regiões vinícolas do mundo, é uma uva do tipo “mu¬lher bonita e misteriosa”. Atraente, intrigante, difícil… E passa cada rasteira! Segundo o Luiz Gastão Bolonhez, editor de vinhos da revista Adega, “…é uma das uvas mais complexas do mundo do vinho. Manuseá-la nas vinhas exige muito trabalho e, para prová-la, é necessário uma compreensão diferente da que temos normalmente sobre outros vinhos tintos”. Viu como minha comparação foi na mosca? Conforme Hugh Johnson, ela é “a glória da Borgonha, com aroma, sabor e textura inigualáveis em outro lugar”. Taí uma das motivações desta nossa degustação: provar e comparar vinhos desta uva, elaborados em diferentes regiões do mundo. Como sempre fazemos na SABORES DE BACO, inteiramente às cegas, para não haver “influência do rótulo”.
Deixando a escolha dos vinhos ao livre critério do produtor ou do proprietário da loja participante. A eles, por sinal, mais uma vez a gratidão e os parabéns, não só nosso, mas de todos que apreciam vinhos, pela disposição e o despojamento em participar desta prova.
Luiz Bolonhez falou em complexa? Complexa é a situação deste grupo de degustadores depois que vocês lerem o resultado abaixo. Perguntarão: como pode uma uva tão emblemática receber notas tão baixas, na média? Querem uma resposta honesta? Sei não. Parodiando Chicó, “eu só sei que foi assim”. A bem da verdade, após a degustação, quando desvendamos os rótulos das garrafas, até nós ficamos surpresos com a pontuação de alguns vinhos (bem uniforme, entre nós sete), particularmente os dois representantes da Bourgogne. Onde este vinho é inigualável! O que pode ensejar a ideia de que nós não tivemos a “compreensão diferente” para analisar a PN. Pode até ser. Mas no grupo, entre outros, tem um reconhecido amante desta uva, frequentador recorrente da Bourgogne, que acompanhou os colegas nas notas. E justiça se faça, até em detalhes, como a análise da cor e do aspecto dos vinhos – sempre mais claros e brilhantes que os vinhos de Cabernet, Merlot, Shiraz, Malbec e outras – nós procuramos seguir os padrões da Pinot Noir.

Para os degustadores, ficou a clara impressão de que a garrafa do vinho Bourgogne Couvent des Jacobins, conhecido de alguns do grupo, estava “morta”. Você não acredita que vinho tenha vida? Ora, ora, claro que tem. E por vezes apenas uma garrafa de um único lote pode vir com esse defeito. De fato, esta garrafa, na correta observação de dois degustadores, estava sem personalidade e tipicidade. Incompatível com o vinho. Outra possível explicação é a safra. O ano de 2007 não é dos mais cotados na Bourgogne, o que também explicaria a segunda surpresa da noite, a pouca pontuação do Château de Dracy.

O evento aconteceu nas dependências do Hotel Atlante, onde depois fomos contemplados com a ótima comida do restaurante Mirage. Que como já disse, em artigo anterior, está com uma boa carta de vinhos, de preços excelentes. Josiel nos auxiliou na degustação com muita gentileza e competência. A todos do hotel que se envolveram, nossa gratidão.

Bem, amigos, vamos ao resultado final.

1º – Dadivas Pinot Noir (Brasil)
2º – Leyda Reserva Pinot Noir (Chile)
3º – Amayna Pinot Noir (Chile)
4º – Alamos Seleccion Pinot Noir (Argentina)
5º – Las Perdices Reserva Pinot Noir (Argentina)
6º – Château de Dracy (França)
7º – Bourgogne Couvent des Jacobins (França)
8º – Aurora Pinot Noir (Brasil)

Na tabela no fim da matéria (clique para ampliar), você encontra as regiões/países produtores, os nomes dos vinhos e as safras. Depois, a faixa de preço, a média de pontos (máximo de 100) e a classificação dos vinhos. Adiante, a classificação das lojas fornecedoras, com a pontuação dividida pelo número de garrafas enviadas. Desta vez, como de outras, o Club du Vin se fez representar por três garrafas, daí a relevância da média.

O grande vencedor entre os vinhos de Pinot Noir foi o Dádivas, da vinícola Lídio Carraro (hoje também denominada SulBrasil), produzido no Vale dos Vinhedos, Rio Grande do Sul. Pois é. O Brasil fazendo bonito. Mas, por favor, não diz isso ao povo do PT, não. Senão eles assumem a autoria e vão dizer que nunca antes nesse País… Em segundo lugar ficou o Leyda Reserva, do Chile e em terceiro, o Amayna, também chileno. Desta forma, configurando uma devastadora vitória sul americana sobre os vinhos da Bourgogne. Lembrei do famoso Julgamento de Paris. Não sabe o que é isso? Então, não está lendo minha coluna, pois já me referi a esta degustação mais de uma vez. Pesquise na internet. É interessante.

Quanto ao vinho bem menos pontuado, o Aurora Pinot Noir, também achamos que a garrafa poderia estar sofrida. Além da safra (2010) muito jovem. Do grupo, os que já o haviam bebido em outra ocasião, disseram que ele é melhor do que se apresentou naquela noite.

Por fim, uma análise muito importante: a relação qualidade-preço (Q-P). A primeira vista, devido ao seu baixo custo – único abaixo de R$ 40 – o Aurora teria a melhor Q-P. Mas considerando que ele chegou a ser desqualificado por um dos degustadores, não me sinto autorizado a colocá-lo nesse lugar. Quem sabe testando outra garrafa… Feita essa ressalva, as duas melhores relações Q-P foram dos mesmos dois primeiros lugares no aspecto gustativo – Dádivas e Leyda.

O objetivo principal destas degustações é orientar o consumidor na procura dos vinhos. Mas nada substitui seu próprio gosto. Testem, tanto os vinhos, como a opinião dos degustadores. Ficando eu na esperança de vocês serem mais clementes conosco, do que nós fomos com os Pinot Noir! Tim, tim. Brinde à vida!

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0 Replies to “A desafiadora Pinot Noir”

  1. Não entendi á finalidade da prova. Os vinhos selecionados não representam nada, nem aqui a América do Sul e muito menos a borgonha.

    Pelo jeito, era o que estava disponível.

  2. Prezado (a) anônimo(a), nós não escolhemos os vinhos que vão ser degustados. As importadoras e distribuidoras nos enviam rótulos que julgam ser representativos. Acredito que é de interesse delas mesmas que seus vinhos sejam bem pontuados.

    A degustação é feitas às cegas e sem o interrese de beneficiar ou prejudicar nem A nem B.

    Outra coisa, participo da prova a título de convidada. O organizador é o jornal Folha de Pernambuco, através do seu colunista de vinhos Murilo Guimarães.

    Espero que tenha compreendido. Se não, leia com calma a matéria. Foi reproduzida do próprio jornal.

    Um brinde (com o pinot de sua preferência, pois acredito que tenha ótimo gosto)!

  3. A reprodução acrítica de uma prova sem sentido como essa é também um equívoco. Provar borgonhas irrelevantes como esses e, ainda mais grave, até mesmo com defeito, é uma afronta ao bom senso.

    Mas jornalistas adoram uma boquinha…

  4. Até agora só tinha ouvido elogios em relação à iniciativa Sabores de Baco, da Folha de Pernambuco. Mas alguém tem que discordar, né?

    Respeito a opinião do (a) anônimo (a) acima, que acha a prova “sem sentido”. Talvez só importe a ele(a), os vinhos de preços mais elevados. Acontece. Mas chamar os vinhos de “irrelevantes” é, no mínimo, falta de respeito aos produtores.

    Em relação à afirmação que “jornalistas adoram uma boquinha”, achei a colocação meio contraditória. Seria mesmo uma “boquinha” provar vinhos tão “irrelevantes”? Gostaria também de informar que dos sete avaliadores presentes, apenas eu sou jornalista (e por sinal também sommelier profissional). Na matéria tem o currículo do pessoal. Dá mais uma olhada com calma. Ok, amigo(a)?

    Um brinde! (Dessa vez eu vou de Dadivas Pinot Noir, o vencedor da prova – um vinho bem bacana e com um preço bem legal).

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